O teatro pós live flerta com novas linguagens e alcança novos espectadores

Finalmente, chegamos na fase verde, o que permite a reabertura dos equipamentos culturais que estão de acordo com os protocolos de segurança e saúde. Mas isso significa que todos os teatros vão abrir programação presencial?

Falei sobre algumas precauções que já se prenunciavam aqui.

Desde que começou a pandemia e os teatros tiveram que interromper as atividades, muita coisa aconteceu e o setor foi encontrando modelos de produção para não ficar estagnado.

Aos poucos, a tecnologia tornou-se uma aliada a serviço da arte estabelecendo novos paradigmas. Desde que as transmissões de espetáculos começaram em junho, pude acompanhar algumas produções em suas mais diferentes formas de criação. Vou falar sobre duas, que, a meu ver, se destacaram ao extrapolar o formato live e ousar em suas formas.

A primeira delas foi a montagem, super bem sucedida, do Núcleo Pequeno Ato, de Pedro Granato em seu musical interativo e investigativo Caso Cabaré Privê, que redefiniu a noção de peça on-line ao colocar o espectador como personagem que interfere nos rumos da história.

O Teatro Porto Seguro estreou sua programação on-line com Pós-F, de Fernanda Young (1970-2019), direção de Mika Lins, com Maria Ribeiro em cena. Maria sozinha no palco e, na plateia, só a equipe técnica. Com quatro câmeras, o espetáculo foi concebido, a pedido do teatro, para o formato digital, o que fez uma grande diferença na narrativa e na qualidade de transmissão. Acredito que foi uma grande virada no jeito de fazer teatro virtual, flertando com o audiovisual, se apropriando da tecnologia e dos recursos possíveis para o formato.

Desde junho, quando as primeiras peças on-line começaram a ser transmitidas, todos que trabalham diretamente ou não com teatro, tiveram que ajustar seu modo de produção. Muitos ensaios e reuniões remotas, muitos novos grupos de mensagens criados, muitas ligações e muita trocas de arquivos compartilhados em drives. O WahtsApp virou a coxia onde diretor e elenco ajustam os últimos detalhes antes de sessão começar. A tecnologia foi nossa maior aliada e, por vezes, nossa vilã. Não raro, a tensão crescia nas produções ao perceber que o link de transmissão não estava funcionando. “Cadê o link?”, “O link não entra!”, “Liga para o TI”, eram as frases tensas mais ouvidas. O que colocou o profissional de TI como um importante elemento na ficha técnica.

Os jornalistas também tiveram que se adaptar e muitos colegas assessores precisaram fazer um passo a passo com críticos mais tradicionais para ensinar a baixar o aplicativo de transmissão, conseguir acessar o ingresso e assistir o espetáculo. O convite, tão disputado nas estreias, tornou-se o link que a gente envia por e-mail.

Muitas entrevistas também foram gravadas por Zoom ou pelo celular e programas de edição ajudaram a colocar tudo no ar viabilizando a divulgação. Jornalistas se reinventaram ao criar novas maneiras de falar ou recomendar um espetáculo. Muitas matérias foram publicadas em outros estados ampliando o alcance da divulgação.

Esse novo jeito de fazer teatro e as novas tecnologias usadas na divulgação ampliaram o alcance de um público também de lugares distantes. Na estreia de Pós-F, a plateia estava vazia, mas estivemos conectados com cerca de 1.200 pessoas espalhadas pelo Brasil e algumas no exterior. Casos peculiares também aconteceram, como em Caso Cabaré Privê, que teve um espectador direto da UTI de um hospital. Ao final da sessão, ele causou emoção no elenco ao abrir sua câmera e mostrar onde estava! É a força do teatro chegando em lugares inesperados!

Agora vem a fase verde, e uma pesquisa feita pela Bilheteria Express, empresa que vende ingressos na internet, aponta que a maioria da população que frequenta salas teatrais é favorável à volta dos espetáculos com os devidos protocolos de segurança.

Mas vários teatros afirmam que suas plateias só devem voltar a ser ocupadas no ano que vem, em função das dificuldades para cumprir os protocolos sanitários e de proteger a saúde dos profissionais envolvidos nas montagens. Por isso muitos teatros vão continuar com programação digital transmitindo direto de suas salas sem plateias.

O setor cultural, um dos que mais sofreu perdas nesta pandemia, teve muitos teatros independentes fechando definitivamente suas portas e outros foram até despejados por não conseguir manter o aluguel em dia.

Para os que conseguiram aguentar, abrir é uma necessidade pois, ao contrário da música, o teatro não tem muita rentabilidade com as lives e os espetáculos digitais, na maioria das vezes não conseguem patrocínio. Teremos, portanto, uma fase híbrida com espetáculos digitais e alguns presenciais com redução de capacidade e protocolos de segurança.

E você, iria assistir uma peça de teatro presencial nesse momento?

Mais um viva ao teatro e a nova fase! 

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