Monga
Peça de teatro Monga coloca em cena elementos do cinema para falar sobre sociedade do espetáculo
Na montagem, a atriz Maria Carolina Dressler combina o cinema grotesco do diretor italiano Marco Ferreri e a macaca Monga. Juliana Sanches, do Grupo XIX de Teatro, assina a direção. O texto foi escrito pela atriz e pela diretora com colaboração do dramaturgo Pietro Floridia, do Teatro Dell’Argine, de Bologna.
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Uma linda e sensual mulher que se transforma em macaco-monstro diante dos olhos da amedrontada plateia. A famosa e tradicional atração dos parques de diversão é levada aos palcos no espetáculo solo da atriz Maria Carolina Dressler. A transformação da mulher em macaco, no espetáculo, é feita por meio de recursos audiovisuais. Projeções de vídeo, locuções, teatro de sombra e a trilha sonora são elementos que fazem a transição entre a ficção e o documental, conferindo à peça uma característica polifônica.
Com dramaturgia construída em processo colaborativo entre a atriz e a diretora Juliana Sanches (Grupo XlX de Teatro, de São Paulo) com supervisão do dramaturgo italiano Pietro Floridia (Teatro Dell’Argine, de Bologna), a peça Monga conta a trajetória de uma mulher que sofre por isolamento e exploração de sua imagem primata. O espetáculo é uma realização do coletivo In Bocca al Lupo Criações –artistas independentes de diversas áreas que realizam projetos de artes integradas.
A narrativa descreve conflitos vividos pela condição de clausura desde a infância, passando pela adolescência, casamento, maternidade e morte. O relato é entrecortado por vídeos e locuções dos seus delírios e desejos, além de fragmentos supostamente documentais que também servem de pano de fundo para contar sua trajetória.
O drama é baseado em histórias como a de Julia Pastrana (1834-1860), mexicana que tinha hipertricose (doença que cobre o corpo de pelos), apontada como possível inspiração para a criação do número da Monga. Atração de freak shows, foi levada aos palcos pelo empresário e marido Theodor Lent. Morreu aos 26 anos dando à luz ao seu filho, que também sofria da mesma doença, e seus corpos foram embalsamados e expostos em shows.
A curiosidade e o fascínio pela figura da Monga encantavam Maria Carolina desde a sua infância. Há cerca de três anos, a atriz iniciou a pesquisa para a montagem da peça, impulsionada pelo desejo de resgate e valorização dos artistas itinerantes de parques, circos e feiras. Durante o processo, trocou experiências com criadores como Romeu del Duque, o “Pai da Monga” do Playcenter, e mergulhou na filmografia do cineasta italiano Marco Ferreri (1928-1997). “A personagem foi batizada de Julia em referência à mexicana, mas trata-se de uma Monga fictícia, que nos permitiu criar uma narrativa baseada em personagens ferrerianos e nos conflitos de outras vítimas de exploração e isolamento”, conta a atriz.
A Monga é o cerne da montagem. Contudo, no decorrer do processo, o cinema de Marco Ferreri também serviu de propulsor para a criação. “As infinitas coincidências entre a cinematografia de Ferreri com o que pretendíamos abordar eram gritantes. A primeira delas foi a crítica à sociedade do espetáculo, recorrente em toda a sua obra e evidente em La Donna Scimmia, longa também inspirado em Julia Pastrana. Outra abordagem recorrente em seus filmes é a questão do desamparo fundamental, da busca do homem por sua origem e por uma identidade, em contraposição à sociedade do espetáculo. A figura do macaco é emblemática dessas questões, quer dentro da visão darwiniana, quer apenas pela óbvia semelhança com o ser humano. Meu propósito é homenagear Marco Ferreri e todos os artistas que montam, ou já montaram o número da Monga em algum lugar”, enfatiza a atriz.
“A pluralidade de elementos revela as várias fontes de pesquisa e inspiração desse projeto. Histórias como a de Julia sempre nos chegaram, por diversas vias, por fontes documentais ou pelo filtro do cinema. Nada mais natural do que contar com esses recursos como suporte para a dramaturgia”, diz Juliana Sanches.
Para a diretora, o espetáculo lida com temas que dizem respeito aos dias atuais. “Cada vez mais perdemos o senso do espetacular, mergulhados em um programa de auditório repleto de aberrações pautadas pela aceitação social.”
O cenário, de Paula de Paoli, tem influência nas gaiolas da artista plástica Louise Bourgeois (1911-2010). Uma jaula feita de ferro e sisal incorpora uma tela de projeções, e funciona como um quarto-camarim, um verdadeiro habitat de isolamento para a personagem. O local tem espelhos giratórios e um balanço. O figurino de Luciano Ferrari remete ao lado animalesco, em suas cores e nos desenhos. O ator Flavio Faustinoni participa com locuções, e Daniel Maia assina a trilha sonora.
A peça estreou em novembro de 2013 no Sesc Santo André onde cumpriu temporada de 5 semanas. Depois, passou pelas cidades de Araraquara, Araçatuba e Ribeirão Preto nas unidades Sesc. Integrou a programação do projeto Solos Ferteis, Um Olhar Feminino, no Teatro Àgora, SP. Em maio de 2014 participou da programação do Festival de Teatro de Mauá. Em maio 2015 integrou a programação do Circuito Tusp.
Cinema e Teatro
Em julho de 2012, Maria Carolina pôde mergulhar no universo do cineasta italiano e vivenciá-lo. O estudo sobre a obra de Marco Ferreri rendeu à atriz convites para intercâmbio na Itália, de instituições como o Museo Nazionale del Cinema (em Torino), o Centro Sperimentale di Cinema (em Roma), e a Università degli Studi di Verona.
“Falei com pessoas que conheceram Ferreri ou que trabalharam com ele, como Mario Canale, diretor do documentário O Cineasta do Futuro, e Alberto Scandola, autor do livro Marco Ferreri (da Castoro Cinema). Tive acesso a um vasto material de arquivo, além do acervo de diversos museus. Assim como os personagens de Ferreri, que sempre buscam suas origens, senti que a viagem foi para mim uma jornada de identificação e reencontro”, fala a atriz.
A mulher-macaca do filme La Donna Scimmia (1964) foi um das referências mais fortes para a peça. Ao mesmo tempo, em Ciao Maschio (1978) os atores Gérard Depardieu e Marcello Mastroianni adotam um filhote de macaco. O longa toca na questão do homem em busca de sua origem e de uma identidade, em contraposição ao ideal da sociedade do espetáculo. Ferreri estudou veterinária, e costumava utilizar animais em suas filmagens como metáfora do homem animalizado e de outras abordagens.
“A submissão da mulher-cadela, em La Cagna (1972), e o casamento em L’ape Regina (1963) também dialogam com o fio condutor do espetáculo. Os filmes funcionaram na criação da peça tanto de forma enfática quanto em nuances. A mulher como portadora das transformações, a morte ou o nascimento simbolizado pelo mar-útero, o isolamento, o grotesco e a crítica são especialidades essenciais desse visionário cineasta”, conta Maria Carolina.
Marco Ferreri costumava fazer pequenas pontas em seus longas. Na peça, o ator André Obarcan faz uma participação em vídeo para representar a figura ferreriana em cena. A solidão do homem moderno retratada em seus filmes antecipava questões do século 21. “A inquietude era o gatilho que movia o diretor para esboçar seus grotescos personagens. Foi com a obra dele que definitivamente pude entender porque o número da Monga me causava tanto fascínio. Ferreri brinca com o humano animalizado para falar do resgate da humanidade, da identidade, da origem, do renascimento e da liberdade”, conclui a atriz.
Parcerias da Vida e do Teatro
Maria Carolina Dressler se cercou de parceiros para a realização do projeto. É a terceira vez que trabalha com o italiano Pietro Floridia. Além da parceria em Monga, ele a dirigiu em O Castelo, de Franz Kafka (2012) e Estrada do Sul (parceria com o Grupo XIX e atualmente em cartaz na Vila Maria Zélia).
Toda a produção audiovisual de Monga fica por conta de Jonatas Marques e da Corja Filmes, que atuou no curta Ópera de Arame (2008) e foi produtora no documentário Truque (2012). A relação com a diretora Juliana Sanches dura 20 anos. As duas frequentaram o curso de interpretação da Fundaçao das Artes de São Caetano do Sul. Desde 1993, ambas demonstravam afinidade artística e de vida. “Foi natural a parceria nesse projeto. A Maria é uma artista comprometida e talentosa, tem sua história teatral ligada ao estudo das tradições circenses, pesquisa a Monga há muito tempo. Quando recebi o convite fiquei extremamente feliz pela chance de ingressar nessa aventura”, finaliza a diretora.
Sinopse 1
Espetáculo solo baseado na vida da mexicana Julia Pastrana (1834-1860), apontada por alguns como possível inspiração para criação do número de transformação da monga. Julia tinha hipertricose, doença que cobre o corpo de pelos, e era atração de freakshows, sendo levada aos palcos pelo empresário e marido Theodor Lent. A peça traça um paralelo entre a história da mexicana e a relação da imagem na sociedade contemporânea.
Sinopse 2
Uma linda e sensual mulher que se transforma em macaco-monstro diante dos olhos da amedrontada plateia. O famoso número dos parques de diversão foi a inspiração para o espetáculo solo da atriz Maria Carolina Dressler. A peça, conta a trajetória de uma mulher que sofre por isolamento e exploração de sua imagem primata.
Sobre Maria Carolina Dressler
Com a Cia Kiwi de Teatro estreia o espetáculo “Manual de Autodefesa Intelectual” em temporada no Sesc Belenzinho (de 9 de abril a 10 de maio de 2015. Também integra o elenco da peça “Carne”. Atua no espetáculo “Três Movimentos”, da Cia Ocamorana de Teatro e “América Vizinha” do Grupo XlX.
Em 2013, atuou no espetáculo “Estrada do Sul” do Grupo XIX de Teatro. Em 2012 atuou no espetáculo “O Castelo”, de Franz Kafka, com direção de Pietro Floridia em parceria com o grupo Teatro Dell’Argine (Bologna) e o Grupo XIX de Teatro (São Paulo).
Em 2011/2012 fez assistência de direção na montagem do espetáculo “Segredo Entre Mulheres” (direção de Flávio Faustinoni). Produziu os documentários “Ensaio Aberto” (MP Midia e CPT) e “Vidas Ocultas” (direção de Edson Costa), além do livro “Das Margens e Bordas”, da Cia Estável de Teatro. Em 2010, atuou na peça e assinou a preparação corporal da montagem de “Hoje tem Mazzaropi”, de Mario Viana, com direção de Hugo Coelho.
Integrou a Cia Estável de Teatro, que atuou nos espetáculos “Homem Cavalo & Sociedade Anônima”, direção de Andressa Ferrarezi (2008); “O Auto do Circo”, de Luis Alberto de Abreu, direção de Renata Zhaneta (2004); “Incrível Viagem”, de Doc Comparato, direção de Renata Zhaneta (2003); “Quem Casa quer Casa”, de Martin Penna, direção de Nei Gomes (2003); “Gira!”, dramaturgia coletiva, direção de Nei Gomes (2002), “Ainda Não”, dramaturgia e direção coletivas (2007); e “Flávio Império, uma Celebração da Vida”, de Reinaldo Maia, direção de Renata Zhaneta (2002). Participou ainda das montagens de “Bodas de Sangue”, de Federico Garcia Lorca, direção de Seme Lufti; “Meia Sola” de Benê Rodrigues; direção de Alexandre Dressler; “Acorda Cordel”, Cia do Sol, direção de Flavio Faustinoni, entre outros.
Possui formação de atriz pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul. Licenciada e bacharelada em Educação Física pela Universidade Paulista, onde iniciou pesquisa de indução proprioceptiva na preparação corporal de atores. Cursou também balé clássico pelo Royal Academy of Dance, dança moderna, técnicas circenses, dança de rua, dança de salão, clown, sapateado, contato improvisação, canto e musicalização, locução e outros. Também assina a preparação corporal de espetáculos da Cia Estável de Teatro, Trupe do Trapo, Trimitraco. Atuou em vídeos institucionais, filmes curta metragem e publicitários, e ministrou aulas de teatro e corpo. Produziu o Prêmio Qualidade Brasil em Cinema, TV, Música e Teatro, nas edições de 2000 a 2009. Ministra aulas de teatro no colégio Mackenzie, onde dirigiu o show de lançamento do CD Planetazul e desenvolve projetos audiovisuais em parceria com a Corja Filmes, entre outros.
Sobre Marco Ferreri
A estreia como realizador deu-se na Espanha (com o amigo Rafael Ascona), onde filmou “El Pisito” (1958), “Los Chicos” (1959), “Il Cochecito” (1960). Após a experiência espanhola, Ferreri encontra o sentido e a direção de seu trabalho. Ainda nesse período filmou “L’Ape Regina” (1963), “La Donna Scimmia” (1964), L’Uomo dei Cinque Pallone (1965), Marcia Nuziale (1966) e “L’Haren” (1967) – a maioria deles sob restrições da censura. “Dillinger è Morto” foi considerado uma das obras-primas de Ferreri e um manifesto de contestação de 1968.
A produção ítalo francesa “La Grande Abbuffata”, de 1973 (indicado à Palma de Ouro e vencedor do prêmio FIPRESCI), é certamente o filme que o consagrou. Segue com a série de produções ítalofrancesas, e com “Ciao Maschio/ Bye Bye Monkey” (1977) recebe o Grande Prêmio do júri de Cannes. Sua filmografia tem mais de trinta obras de cinema, além das produções para televisão.
“O artista que veio do futuro”, “provocador útil”, “anarquista do cinema”, “visionário atemporal”, “criador de formas”, são algumas expressões que tentam adjetivar a obra, o pensamento e o estilo cinematográfico do italiano Marco Ferreri, em virtude de sua radicalidade e espírito crítico, de seu humor sarcástico, pelo fato de sua obra prever problemáticas absolutamente contemporâneas e pela ousadia de sua linguagem estética.
A inquietude da contemporaneidade é o gatilho que move o diretor pra esboçar seus grotescos personagens. Mostrava a observação cruel e a transformação grotesca a limites inexplorados, tocando em argumentos-tabus não só daqueles tempos. Olhar para o chamado “cinema do futuro” de Ferreri significa olhar também para nossa contemporaneidade, e nos revela o artista criador de uma estética absolutamente moderna em seu modo de fazer e pensar as artes, o mundo, a sociedade do consumo, o ser humano e a natureza.
Ficha técnica:
Dramaturgia: Juliana Sanches e Maria Carolina Dressler. Supervisão de dramaturgia: Pietro Floridia Direção: Juliana Sanches. Concepção e atuação: Maria Carolina Dressler. Participação especial em vídeo/locução: André Orbacan e Flavio Faustinoni. Traduções: Daniela Scarpari e Aliança Cultural Italiana. Trilha sonora: Daniel Maia. Cenário: Paula de Paoli. Figurino: Luciano Ferrari. Produção audiovisual: Corja Filmes (Andrea Iseki, Aline Gaia e Edson Costa) e Jonatas Marques. Iluminação: Andrea Iseki. Designer Gráfico: Jonatas Marques. Fotos: Adriana Balsanelli, Andrea Iseki e Jonatas Marques. Produção: Maria Carolina Dressler e Adriana Balsanelli. Realização: In Bocca al Lupo. Duração: 40 minutos. Gênero: Drama. Classificação etária: 12 anos.
Assessoria de imprensa
Adriana Balsanelli
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