Alice, Retrato de Mulher Que Cozinha Ao Fundo
Inspirada na relação entre Gertrude Stein e Alice B. Tokas, Alice, retrato de mulher que cozinha ao fundo tem sua quinta temporada paulistana na Biblioteca Mário de Andrade
Sucesso de crítica e público, o monólogo Alice, retrato de mulher que cozinha ao fundo, com dramaturgia de Marina Corazza, direção de Malú Bazán e atuação de Nicole Cordery, ganha sua quinta – e possivelmente última – temporada paulistana entre os dias 6 e 27 de novembro, na Biblioteca Mário de Andrade. As sessões ocorrem às segundas-feiras, às 19h, com entrada gratuita.
A peça retrata a relação de amor entre a poetisa Gertrude Stein (1874-1946) e a cozinheira e escritora Alice B. Toklas (1877-1967), que dedicou os últimos 21 anos de sua vida à divulgação da obra de sua companheira em uma época que nem se falava em homoafetividade. Na efervescente Paris dos anos de 1920 e 1930, Gertrude recebia aos sábados em sua casa na 27 Rue de Fleurus os escritores Ernest Hemingway, Guillaume Apollinaire e James Joyce, os pintores Pablo Picasso, Georges Braque e Henri Matisse, além de outros artistas e críticos de arte que representavam a nata intelectual europeia da época. Os quadros de todos esses artistas adornavam as paredes da residência.
Esses ilustres convidados se encontravam aos sábados na casa das duas escritoras norte-americanas, diante de uma mesa farta, para travar grandes debates sobre estética e arte, sobretudo sobre o cubismo, movimento artístico que estava em alta naquele tempo. Para ter acesso à casa e às longas conversas que se desenrolavam no ateliê anexo, bastava ao recém-chegado responder à pergunta “quem te enviou?”.
Alice B. Toklas era uma figura muito importante para criar essa atmosfera de encontro da boemia. “Era Alice quem preparava a comida e entretia as esposas dos convidados para que Gertrude pudesse fruir desse mundo masculino criativo pelo qual era tão fascinada. Ela era uma sombra, mas, ao mesmo tempo, era muito importante dentro daquele núcleo artístico”, comenta a atriz Nicole Cordery.
Quando começou a Segunda Guerra Mundial, em 1939, as duas, que eram judias e gays, decidiram não procurar exílio nos EUA, sua terra natal. Elas se mudaram para uma casa de campo de Gertrude na França e passaram toda a guerra exiladas lá. Ao término da disputa, a poetisa, que preferiu ignorar os horrores do período até aquele momento, conseguiu uma autorização para viajar a Berlim, na Alemanha, onde tomou consciência sobre as atrocidades cometidas pelos nazistas.
Um ano após esse episódio, a poetisa desenvolve um câncer e morre em 1946. “E a Alice, que sempre achou que fosse viver a vida inteira ao lado de sua mulher fica sem nada. Tudo que pertencia à Gertrude, os quadros, o dinheiro, a casa e as ações ficaram para o sobrinho dela, que era o herdeiro legal. A peça tenta falar sobre o que era essa devoção. Depois que seu objeto de luz morreu, Alice passou o resto da vida tentando fazer com que soubéssemos quem foi Gertrude Stein mesmo nos dias de hoje. Ela terminou a vida em um convento católico que abrigava pessoas indigentes”, elucida Cordery.
Com uma dramaturgia fragmentada tal como a poesia de Gertrude, o monólogo passeia por diferentes tempos e espaços na vida das duas, narrados por Alice a partir de trechos de cartas, poesias e receitas culinárias. Todos esses elementos são montados e misturados pela dramaturgia de Marina Corazza como em um mosaico.
As principais referências da montagem são os livros The Alice B. Toklas Cookbook, em que Alice conta quais receitas eram servidas na casa da Rue de Fleurus e histórias fascinantes sobre a época; e A autobiografia de Alice B. Toklas, em que Stein assume a voz de sua companheira para falar do relacionamento entre elas e a época em que elas viveram juntas. “A autobiografia é uma brincadeira surrealista de Gertrude, pois ela fala da vida de sua esposa querendo falar da própria vida. Não é possível saber quem escreveu o quê, ou quem disse o quê. Então, escrevemos uma obra justamente sobre o ‘Não tem como saber’”, comenta a atriz.
Trajetória
A ideia de criar o monólogo surgiu quando Nicole Cordery voltava ao Brasil depois de quatro anos morando em Paris e queria retomar a parceria com Malú Bazán, que conheceu quando as duas trabalhavam juntas no Grupo TAPA. Na época, a diretora estava lendo o livro Duas Vidas: Gertrude e Alice, da jornalista norte-americana Janet Malcolm, sobre o relacionamento entre as escritoras. A partir de então, as atrizes brasileiras se apaixonaram pela figura de Toklas, convidaram a dramaturga Marina Corazza e começaram a ensaiar cenas curtas a partir das referências que pesquisaram.
Outra referência importante foi o apoio do dramaturgo, professor e pesquisador americano Leon Katz, que, em 1952, foi premiado com uma bolsa da Fundação Ford para passar um ano entrevistando Alice. Ele cedeu um material rico de pesquisa para as atrizes.
Elas apresentaram o experimento cênico em São Paulo, na ocupação da Casa Amarela, na Consolação, e na Mostra Obscenas, da Globe, e no Recife, para onde Bazán se mudou em 2014. Em 2016, as três receberam a oportunidade de estrear o espetáculo já completo no Sesc Consolação, no projeto Escritoras na Boca de Cena, que apresentava peças sobre escritoras.
Depois, elas foram convidadas para uma temporada na Oficina Cultural Oswald de Andrade, onde se apresentaram em duas salas diferentes. Como uma das características mais importantes da encenação é que ela se adapta a cada espaço cênico, na primeira sala, toda a cena acontecia diante de uma janela aberta. “Eu me relacionava o tempo todo com essa janela, como se o Basket, o cachorro das duas, estivesse de fora. E a luz que vinha de fora projetava no chão. Outras janelas fechadas com umas madeiras gigantes viravam os quadros da casa”, explica Cordery.
A segunda sala da oficina cultural era como uma galeria de exposições fotográficas. Por isso, a encenação se deu em torno de tapumes pretos e brancos usados para representar esses mesmos quadros. A iluminação, assinada por Nelson Ferreira, também muda para cada espaço, sempre trabalhando com a projeção de sombras.
A única exigência feita pelo grupo durante todas as temporadas era que o teatro das apresentações tivesse como abrigar a plateia disposta em L. “A disposição em L da plateia revela dois pontos de vista. É como se eu contasse uma história para uma plateia que está na minha frente e outra história para a que está ao meu lado. Quando mudo o eixo, muda também a verdade de quem deu aquela versão da história. É tudo muito sutil e fluido”, esclarece.
Recentemente, o espetáculo ganhou uma temporada em seis cidades argentinas – Salta, Jujuy, Catamarca, Tilcara, Santa Rosa e Victorica – no festival INT – Circuito Internacional de Teatro, e duas apresentações na cidade do Porto, em Portugal. “Na Argentina, tivemos a oportunidade de apresentar a peça em lugares completamente diferentes, para públicos que nunca conheceríamos se não fosse esse espetáculo, como uma plateia com costumes dos indígenas andinos. Em alguns lugares, apresentamos a peça intimista para uma plateia de mais de 120 pessoas. Foram 22 dias de viagem”, avalia a atriz.
Já no Porto, o grupo fez apenas duas sessões em um teatro pequeno chamado Pinguim Café, no entanto, segundo Nicole Cordery, lá aconteceu uma das apresentações mais impressionantes da montagem. “O teatro era lindo e o trabalho coube ali como uma luva. O público de Portugal amou o espetáculo, ele ficou muito envolvido. Lá eles têm uma tradição interessante de ler e ouvir poesias em saraus. Então, têm essa coisa da escuta para a fala muito apurada”, acrescenta.
Na nova temporada na Biblioteca Mário de Andrade, os artistas farão a montagem em outra sala de exposições, que, atualmente, recebe uma exposição de poesia concreta. As novas soluções para a encenação devem dialogar com as obras de um jeito ainda inesperado para os próprios artistas.
Nicole Cordery
Formada em Artes Cênicas pela CAL – Casa das Artes de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, a atriz niteroiense Nicole Cordery divide sua vida entre o Brasil e a França desde 2006. Ela estreou profissionalmente no Grupo ArteCena, com o qual trabalhou entre 1989 e 1994, e fundou, ao lado de Felipe Vidal, o Grupo Tropel, onde atuou em Nem Morta e O Rei da Vela. Integrou o elenco do Grupo TAPA entre 2000 e 2006, quando participou das peças O Tambor e o Anjo, A Almanjarra, A Casa de Orates, Executivos e Camaradagem, vencedor do Prêmio APCA 2006 de melhor espetáculo.
Ela se mudou em 2006 para Paris, onde estudou na Ecole International Jacques Lecoq; fez mestrado na Sorbonne Nouvelle, com orientação de Jean-Pierre Sarrazac, sobre August Strindberg; e cursou interpretação para cinema no Acteur Studio, com a coach Pascale Rouben. Na capital francesa, participou de oito curtas-metragens, um longa e cinco peças de teatro, incluindo Srindbergman, dirigida pela francesa Marie Dupleix e eleita o melhor espetáculo de 2012 pelo Guia Folha.
A partir desse último trabalho, que cumpriu temporadas em São Paulo e Paris entre 2009 e 2012, Cordery estabeleceu como projeto profissional uma carreira internacional. Outra co-produção de sucesso de que participou e pela qual foi indicada ao Prêmio APCA foi Dissecar uma Nevasca, da sueca Sara Strindberg, que passou por São Paulo, Rio de Janeiro, Estocolmo (Suécia) e Holstebro (Dinamarca) em 2015. Depois da última temporada brasileira de Alice, retrato de mulher que cozinha ao fundo, a atriz pretende circular com a peça pela Europa.
Outras montagens em que ela atuou foram Lorelay, dirigida por Bruno Perillo; Duplo Crimp (A Cidade), por Felipe Vidal; A Noite das Tríbades, por Malú Bazán; e Ato a 4, de Bruno Perillo. No audiovisual, participou das séries A vida de Rafinha Bastos, do canal FOX, e Pedro e Bianca, da TV Cultura; do documentário Operação Condor, da Discovery; dos curtas-metragens Bastidores, Entrelatinhas, Espelho e Cylene; e dos longas Do lado de Fora, com direção de Alexandre de Carvalho, e A Grávida da Cinemateca, de Christian Saghaard. Além disso, ela integra o Clube da Voz, um conceituado grupo de locutores brasileiros, e o grupo de pesquisa Cinema Ap43.
Malú Bazán
Formada pelo TUCA/PUC de São Paulo em 1996, a diretora e atriz Malú Bazán integra desde 2000 o Grupo TAPA, para o qual atuou em peças como Amargo Siciliano, de Luigi Pirandello, dirigido por Sandra Corveloni; e Major Bárbara, de Bernard Shaw, e Camaradagem, de August Strindberg, os dois últimos dirigidos por Eduardo Tolentino de Araújo. Desde 2009, ministra grupos de estudos nessa companhia em que realiza uma pesquisa corporal envolvendo artes plásticas, música e teatro.
Alguns de seus trabalhos como diretora são A Noite das Tríbades, que foi indicado ao Prêmio Arte Qualidade Brasil 2013; Soledad, a terra é fogo sob nossos pés; No coração das Máquinas; Alice, Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo; O Corpo da Mulher Como Campo de Batalha; Despertares e Nossa Cidade. Como assistente de direção, assinou as peças Dissecar uma Nevasca, Strindbergman, Tempo de Comédia, Maria que Não Vai com as Outras e O Tambor e o Anjo.
Na área de arte educação, fez parte da banca selecionadora da SP Escola de Teatro, em 2012 e 2013 do curso de atuação; foi artista-orientadora do Programa Vocacional da Secretaria Municipal de Cultura, em 2008, 2009 e 2010; atuou como arte educadora do Projeto EMIA nos CEUS, em 2004 e 2005; e coordenou e deu aulas no Projeto Teatro em Alphaville, no Centro de Estudos Cacilda Becker, de 1999 a 2000.
No cinema, trabalhou como assistente de direção de Ugo Giorgetti no documentário México 1968 – Última Olimpíada Livre e fez preparação de elenco para vários curtas-metragens. Quando morou no Recife, entre 2014 e 2015, Bazán foi professora e diretora do CIT (Centro de Interpretação Teatral), do SESC Santo Amaro.
Ficha técnica:
Dramaturgia: Marina Corazza. Direção: Malú Bazán. Atriz: Nicole Cordery. Cenários e figurinos: Anne Cerutti. Iluminação: Nelson Ferreira. Trilha sonora: Rui Barossi e Pedro Canales. Apoio vocal: Lucia Gayotto. Assessoria de imprensa: Adriana Balsanelli.
Serviço:
ALICE, RETRATO DE MULHER QUE COZINHA AO FUNDO – Reestreia dia 6 de novembro, segunda-feira, às 21h, na Biblioteca Mário de Andrade.
Duração: 60 minutos. Classificação: 14 anos. Ingressos: grátis, com distribuição de senhas uma hora antes de cada sessão.
Temporada: às segundas-feiras, às 19h – Até 27 de novembro.
Biblioteca Mário de Andrade – Rua da Consolação, 94 – Consolação. Telefone: (11) 3775-0002. Tem acessibilidade.
Informações para imprensa:
Adriana Balsanelli
Fone: 11 99245 4138
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